Não sei quanto a vocês...Mas à medida que eu vou ficando mais velho (e olha que nem estou tão velho assim, porra), eu fico me apegando a coisas que me aconteceram ou que deixaram de acontecer durante minha vida. às vezes são coisas importantes, que eu mantanho sempre vivas na lembrança, contando que isso fique comigo pra sempre. Vai saber... às vezes tua memória te fode. Outras vezes, lembranças totalmente aleatórias voltam para surpreender, de algum lugar bem escondido no fundo da cabeça.
Ontem de tarde, voltando do trabalho, assim do nada, me lembrei de um senhor de idade que ia na minha escola, onde eu estudei da 2ª à 5ª série. Eu devia ter uns 6 ou 7 anos de idade nessa época. Esse senhor, ou melhor, "vovô da merenda", o nome pelo qual o chamávamos, aparecia todos os dias na hora do recreio. Quando saíamos para o pátio, lá estava ele, sentado no banco da entrada da escola. Chapéu de abas largas, magro, alto, um olhar abatido, que aparentava umas sete décadas de vida, mas que mudava de expressão ao ver toda aquela criançada ao seu redor. Ao seu lado, uma cesta lotada com sanduíches, bolos, pastéis e uma térmica gigantesca com suco. A escola não tinha cantina, então, para quem não levava merenda própria ou não gostava das gororobas servidas pela cozinha da escola, sempre havia a opção de comprar lanche com o vovô da merenda.
Um ano depois, quando já estava na 3ª série, já havia me acostumado com a presença do vovô nos recreios do colégio. Era figura cativa da gurizada, dos professores e até mesmo da diretora Liziane, que não se importava em abrir o portão da escola para deixar o vovô vender seus produtos pra gurizada.
Mesmo assim, nunca tinha parado pra pensar o por quê dele fazer isso todos os dias. Certo dia, o vovô da merenda não apareceu. Nem no dia seguinte. Foi então que minha professora contou pra turma a história daquele senhor. Infelizmente não me lembro mais do nome dele, mas ele morava numa casa modesta, umas duas quadras à esquerda na rua da escola. Ele morava com a esposa, uma senhora enferma, que precisava de muitos medicamentos para se manter. Ela era a dona da casa, antes de ficar doente. Depois disso, ele se viu obrigado a tomar todas as responsabilidades da casa. Virou o guardião da sua mulher. Como a aposentadoria dos dois não era suficiente para manter a casa e comprar os medicamentos da mulher, ele foi às luta e buscou uma alternativa para aumentar a renda. Sua mulher ensinou o já idoso senhor a fazer os lanches e eis que então ele passou a visitar a escola para vendê-los.
Quando minha professora contou a história, ele já estava no hospital. Morreu poucos dias depois. Morreu de velho, eu acho. Morreu antes da esposa. Não sei se ela morreu pouco tempo depois. Também não sei porque essa história aparentemente nada a ver ficou tanto tempo comigo. Mas acho que é isso. Muitas vezes, as histórias mais simples são mais impressionantes do que qualquer outra coisa. E acho que essa é uma bela história pra não esquecer.